segunda-feira, 24 de março de 2008

A bomba

A BOMBA
Carlos Drummond de Andrade
A bomba é uma flor de pânico apavorando os floricultores
A bomba é o produto quintessente de um laboratório falido
A bomba é estúpida é ferotriste é cheia de rocamboles
A bomba é grotesca de tão metuenda e coça a perna
A bomba dorme no domingo até que os morcegos esvoacem
A bomba não tem preço não tem lugar não tem domicílio
A bomba amanhã promete ser melhorzinha mas esquece
A bomba não está no fundo do cofre, está principalmente onde não está
A bomba mente e sorri sem dente. A bomba vai a todas as conferências e senta-se de todos os lados
A bomba é redonda que nem mesa redonda, e quadrada
A bomba tem horas que sente falta de outra para cruzar
A bomba multiplica-se em ações ao portador e portadores sem ação
A bomba chora nas noites de chuva, enrodilha-se nas chaminés
A bomba faz week-end na Semana Santa. A bomba tem 50 megatons de algidez por 85 de ignomínia
A bomba industrializou as térmites convertendo-as em balísticos interplanetários
A bomba sofre de hérnia estranguladora, de amnésia, de mononucleose, de verborréia
A bomba não é séria, é conspicuamente tediosa
A bomba envenena as crianças antes que comece a nascer
A bomba continnua a envenená-las no curso da vida
A bomba respeita os poderes espirituais, os temporais e os tais
A bomba pula de um lado para outro gritando: eu sou a bomba
A bomba é um cisco no olho da vida, e não sai. A bomba é uma inflamação no ventre da primavera
A bomba tem a seu serviço música estereofônica e mil valetes de ouro, cobalto e ferro além da
comparsaria
A bomba tem supermercado, circo, biblioteca, esquadrilha de mísseis, etc.
A bomba não admite que ninguém acorde sem motivo grave
A bomba quer é manter acordados nervosos e sãos, atletas e paralíticos
A bomba mata só de pensarem que vem aí para matar. A bomba dobra todas as línguas à sua turva sintaxe
A bomba saboriea a morte com marshmallow. A bomba arrota impostura e prosopéia política
A bomba cria leopardos no quintal, eventualmente no living
A bomba é podre. A bomba gostaria de ter remorso para justificar-se mas isso lhe é vedado
A bomba pediu ao Diabo que a batizasse e a Deus que lhe validasse o batismo
A bomba declare-se balança de justiça arca de amor arcanjo de fraternidade
A bomba tem um clube fechadíssimo. A bomba pondera com olho neocrítico o Prêmio Nobel
A bomba é russamenricanenglish mas agradam-lhe eflúvios de Paris
A bomba oferece de bandeja de urânio puro, a título de bonificação, átomos de paz
A bomba não terá trabalho com as artes visuais, concretas ou tachistas
A bomba desenha sinais de trânsito ultreletrônicos para proteger velhos e criancinhas
A bomba não admite que ninguém se dê ao luxo de morrer de câncer
A bomba é câncer. A bomba vai à Lua, assovia e volta
A bomba reduz neutros e neutrinos, e abana-se com o leque da reação em cadeia
A bomba está abusando da glória de ser bomba
A bomba não sabe quando, onde e porque vai explodir, mas preliba o instante inefável
A bomba fede. A bomba é vigiada por sentinelas pávidas em torreões de cartolina
A bomba com ser uma besta confusa dá tempo ao homem para que se salve
A bomba não destruirá a vida
O homem (tenho esperança) liquidará a bomba.

sábado, 15 de março de 2008

Liberte-se


Hoje fui dormir de saco cheio


De sempre tentar ser espelho


Refletindo o que todos pensam


Sempre ser aceito e não me destacar


Vou fazer um ritual


Deixar tudo o que é banal


Fazer o que der na telha


Não me importar se a orelha ficar vermelha


Quero sentir tudo o que me é de direito.

sábado, 26 de janeiro de 2008

A imagem fala por si.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Paulo Franco


A MÁSCARA


Estranhamente posamos
sob um aspecto qualquer
da expectativa coletiva,
escravizando-nos
no corriqueiro cumprimento
do que é a nós determinado.

E não vivemos mais
além do ego servil
exposto aos olhares indigestos
que espreitam o estático.
As aparências
impõem funções,
senções, neuróticas reações
e deterioram as emoções.
Senso social maléfico?
Dialética?
Ética?
Ou réplica do caos coletivo?

Máscara fotográfica
da escravidão dos sentimentos,
encenação anômala
de fictícia missão vulgar.

Emoldurável pesadelo
a arrastar-nos nas relações
que reeditam o pânico
e mistificam o libido em meio ao sonho crônico.